A piada entre mim e minha irmã era: “Pelo menos eu só sou gorda!” E ela dizia: “Prefiro ser magra e doente.”
Sempre fui uma gorda sadia. Nunca tive nenhuma alteração de colesterol, glicemia, pressão. Minha única questão era aceitar me aceitar. Aceitar um corpo fora dos padrões estabelecidos por uma sociedade que nos coloca sempre como inadequadas. Tornando impossível atingir qualquer que seja o padrão, pois nunca estará suficiente.
Levei 45 anos para aceitá-lo. Para me olhar no espelho e me sentir bonita, gostosa. Para não achar que era menos; que não poderia ser desejada ou amada, por ser gorda. Hoje com 47 anos, 18 de terapia, esse é um assunto praticamente resolvido. (Nunca será 100%).
Voltando à saúde, outubro é o mês que faço meu checkup. Havia 3 meses que uma dor lombar me incomodava sempre que acordava, ao levantar-me da cama. Decidi, então, incluir ressonâncias de coluna e das articulações do quadril, assim já iria no especialista com os exames.
Como sempre, meus exames laboratoriais não apresentaram nenhuma alteração. A gorda sadia, por mais um ano. Fui então para o ortopedista, para avaliar a dor lombar. Apesar de médica, não sei ver ressonância, e pelo que havia lido no laudo, tinha uma tendinite em algum lugar. Nada grave, pensei.
O ortopedista me examinou. Fez uma manobra que me fez gritar de dor, o que confirmava a tendinite. E então me sentei para ouvir o veredito, e receber a prescrição de alguma medicação que aliviasse a dor e a inflamação. Mas não foi exatamente assim…
Ele pegou a ressonância e o diálogo seguiu assim:
Ortopedista: Realmente tem uma tendinite leve, como está no laudo. Mas há outra coisa que me chama atenção aqui. Está vendo?
Eu: O que?
Ortopedista: Isso aqui. Tudo branco!
Eu: E o que é?
Ortopedista: Gordura. Isso tudo é gordura. Mas isso não é o pior.
Eu: O que é o pior?
Ortopedista: Está vendo essa linha aqui fininha entre a gordura e o osso?
Eu: Sim!
Ortopedista: Então… isso é o que sobrou do seu músculo. Você praticamente não tem musculatura.
Saí de lá com 3 prescrições: musculação 3x por semana. Pilates 2x por semana e um tênis adequado (porque eu obviamente não tinha um).
Ele falou que era tudo reversível, que não era grave. Mas uma luz amarela acendeu. E tantas coisas passavam pela minha cabeça: se eu não mudar isso, como vou envelhecer? Terei autonomia? Conseguirei amarrar meu sapato? Demorei 45 anos para aceitar meu corpo, e agora, vou ter que mudá-lo. Ainda que sempre tenha tido meus exames sem nenhuma alteração, estava me estragando de outras formas, não perceptíveis.
Isso tudo mexeu muito comigo e decidi que iria mudar minha vida, meus hábitos. E não era só o sedentarismo. Incluiria dieta adequada para perda de peso e ganho de massa com acompanhamento médico. E o principal, algo que nunca pensei que faria, parar de fumar!
Comecei com exercícios e dieta. Personal e pilates contratados, tênis comprado. Meu endócrino, que considero o melhor médico que conheço, tão humano e empático, por acaso um amigo que se formou comigo, me prescreveu medicação, dieta, e seria o médico que me acompanharia nessa jornada.
Faltava então o cigarro. Que seria a maior e mais difícil mudança da minha vida.
Comecei a fumar com 13 anos. Aos 15 comprava cigarro regularmente. Quase 35 anos fumando! O relacionamento mais longo que tive na minha vida! Fumar era parte da minha personalidade. De quem eu era. E sempre falava orgulhosa: Nunca tentei parar de fumar! Amo fumar!
Marquei um pneumo, pois sabia que não conseguiria fazer isso sozinha. Na consulta de quase de mais de uma hora, encarei que era uma dependente química de alto grau! Não que eu não soubesse, mas ouvir isso, me fez entender como seria difícil o caminho que percorreria a partir dali.
Dentre tantas coisas, descobri que a nicotina é a droga que causa mais dependência. Que ao longo do tempo o fumante só produz dopamina na presença da nicotina, ou seja não é capaz de produzi-la sozinho. E vai precisando de cada vez mais nicotina para produzir a dopamina necessária. Por isso fuma mais e mais e em intervalos tão curtos entre um cigarro e outro.
Saí de lá com a prescrição de adesivo e chiclete de nicotina e sessões com uma psicóloga cognitivo comportamental. A medicação era a mesma que havia sido prescrita pelo endócrino para a obesidade.
A sessão com a psicóloga traz mais detalhes sobre a crise de abstinência, prepara para os primeiros dias, semanas e meses. E há uma regra: não adianta diminuir, tem que parar! Então tive que definir uma data.
Nesse processo inicial, antes mesmo de começar todos os tratamentos e mudanças, comecei a ficar angustiada, sensível. Estava com medo! Com medo de não conseguir. Com medo de falhar comigo mesma! Tive crises de choro por alguns dias. Mas seguia no meu compromisso comigo mesma.
Nesse período ainda estava envolvida com alguém que amei e, também, tinha sentimentos por mim. Mas, ele afirmava que não era o momento de ter um relacionamento, não era o que queria. Assim, estávamos em um não-relacionamento há 18 meses. E não estava me fazendo bem. Então, coloquei no pacote das mudanças que estava fazendo. E o encarei como o cigarro, decidi que me distanciaria e também o tiraria da minha vida.
Sabendo que tudo isso não seria fácil! Defini o dia para parar de fumar: 17 de dezembro. E comprei uma passagem para Bahia! Precisava mudar o ambiente. Para tornar menos difícil o do processo que passaria. E precisava ficar perto do mar, lugar tão importante para mim.
Fumava 40 cigarros por dia em média, 2 maços de cigarro! Na mala levei os últimos 6 maços de cigarro que tinha (por precaução) e caixas de chiclete de nicotina. O adesivo estava em falta. Uma amiga que havia parado de fumar há pouco tempo me indicou um aplicativo, Kwit.
No dia 17 de dezembro, acordei as 6h da manhã, para ir para o aeroporto. A ideia era não fumar. Fumei um, o último! Cheguei em Salvador, almocei, fui para o hotel. Fumei mais um cigarro à noite.
De um dia para o outro passei de 40 cigarros para 2! E não sofri. Não passei pela fissura. Não achei difícil ficar sem fumar. De Salvador fui para Morro de São Paulo, onde ficaria os 15 dias para me desintoxicar, de cigarro e homem!
Nesse período fumei entre 2 e 4 cigarros. A crise de abstinência me pegou. Já nos primeiros dias uma constipação grave! Que eu já sabia que era um dos sintomas. Dor de cabeça, um pouco de insônia. Mas me mantive nos 2 a 4 cigarros.
No terceiro dia, uma tristeza profunda me pegou. Uma vontade incontrolável de chorar. Achei que era por causa do fim do não-relacionamento!! Mas era uma tristeza e uma vontade de chorar desproporcionais. Falei com a psicóloga. E ela confirmou: sim! Também pode ser um sintoma da crise de abstinência.
Só quem sabia que eu estava em todo esse processo eram minha irmã e minha mãe, duas amigas e o cara do não-relacionamento. Uma dessas amigas me mandava mensagem com alguma frequência perguntando como eu estava. Mas no final estava também muito sozinha!
Eu, comigo mesma. E sem a minha maior companhia de uma vida inteira! O cigarro!!
Voltei para São Paulo, ainda fumando alguns poucos cigarros por dia. E essa tristeza profunda foi só piorando. A ponto de precisar rever a medicação e a dose de antidepressivos. Estava toda descompensada. Imagine que decidi tirar todas as muletas emocionais: comida, álcool (parei de beber também) e cigarro. E ainda me distanciar de alguém que eu gostava.
Nesse período, o contato com o não-relacionamento voltou, porque ele mandou Feliz Natal, Feliz Ana Novo. E depois pensei… será que precisava cortar tudo de uma vez? Vai ver ele pode ficar para depois! Já que é o que causará menos mal à saúde (física, pelo menos). Então tentei contato, precisava de colo, um abraço. Mas voltamos para a mesma rotina de sempre, o que me fez lembrar porque havia tomado a decisão de me distanciar.
Estava toda bagunçada, internamente. A abstinência também dá sudorese fria. E eu suava. Mas sentia calor e imediatamente depois sentia frio. Com 47 anos, já não sabia se era abstinência ou perimenopausa!! Chorava compulsivamente todos os dias. A tristeza profunda não passava, o remédio ainda demoraria duas semanas para fazer efeito. Mas não poderia desistir! Então no dia 10 de janeiro estabeleci que não falaria mais com o não-relacionamento e não fumaria mais!
Não concordo com a ideia de que é com a família que podemos contar sempre. Que no final é a família que estará ao nosso lado. Não acho! Mas nesse caso, realmente, minha mãe e minha irmã, foram meu suporte. Minha irmã, no auge da minha tristeza e do meu choro, quando eu só queria ficar enfiada no sofá, falava comigo diariamente para saber como eu estava. Propondo coisas para eu fazer, me acompanhando de perto.
Aos poucos fui falando com algumas pessoas que estavam mais próximas. Outras sentiram que algo estava errado porque eu havia sumido das redes sociais e me perguntaram. Para todas passei a fazer um resumo especialmente do impacto da abstinência e a tristeza.
E foi tão bom ouvir e ler mensagens de incentivo. De ouvir pessoas reforçando a força que tive para tomar e permanecer nessa decisão. E que eu estava sendo tão corajosa! Ainda mais fazendo tudo isso ao mesmo tempo.
São mais de 30 dias desde a redução de cigarros e 10 desde o corte total. A caminhada é longa. A recaída é gigantesca: 70% voltam a fumar em 6 meses e 80% em 12 meses! E não é simples mesmo! Pois sempre serei uma dependente química! Basta fumar um cigarro para meu cérebro lembrar que precisa de mais nicotina e tudo voltar!
Até porque, se não fosse a saúde! Eu não pararia de fumar! Preciso ser sincera. Mas sei o que passei até aqui. E não posso começar do zero novamente. Um dia de cada vez, sem cigarro, fazendo pilates e musculação, me alimentado direito e sem álcool! Espero que pelo menos sexo eu retome em breve!
